O ISLAMISMO E O MUNDO JUDAICO/ CRISTÃO
Primeiro leia aqui, e depois a segunda parte da entrevista
'Civilizações islâmica e cristã vivem conflito ancestral''
Maioria no mundo muçulmano vê guerra entre fiéis e infiéis, diz professor
Na sequência da entrevista, Bernard Lewis defende a tese de que as civilizações islâmica e cristã encontram-se em um inevitável conflito. Nem mesmo um presidente dos EUA cujo segundo nome é "Hussein" poderia reduzir a tensão.
O sr. escreveu sobre a rivalidade de mais de 14 séculos entre as civilizações cristã e islâmica. O fato de um negro descendente de muçulmanos, chamado Barack Hussein Obama, comandar os Estados Unidos muda alguma coisa? Pode Obama influenciar o que o sr. definiu como "choque de civilizações"?
Acho que não. É preciso ter em mente que o mundo muçulmano está iniciando agora o século 15 da era islâmica. Acredito que estamos lidando com fenômenos que remontam ao início de nosso século 15. Quero dizer, por exemplo, que para o Ocidente o termo "cruzada" tornou-se inaceitável. A ideia de uma guerra religiosa não é mais admissível para nós. Mas para a maioria das pessoas no mundo islâmico isso é aceitável. Eles tendem a ver as "batalhas" de hoje como uma fase da guerra iniciada pelo próprio Profeta Maomé. Há várias religiões no mundo, mas até onde sei existem apenas duas que acreditam ser as verdadeiras detentoras da mensagem de Deus ao homem. Elas teriam a verdadeira fé e seria um dever não mantê-la para si mesmas - como fazem o judaísmo e o hinduísmo - e espalhar essa mensagem pelo mundo, removendo qualquer obstáculo que tiverem pelo caminho. Isso desapareceu na maior parte do mundo cristão. Mas ainda se manifesta no mundo islâmico. Eles veem um conflito ocorrendo entre fiéis e infiéis. Nos últimos séculos, muçulmanos tiveram dificuldades, foram conquistados pelos infiéis, subjugados. Então, gradualmente se libertaram.
Como seria o futuro dessa luta?
Como eles afirmam, há várias fases consecutivas. A primeira é remover os infiéis da atual terra do Islã. A segunda fase é a de recuperar o que foi perdido - não só Israel, mas na Espanha, Portugal, Sicília, Bálcãs e Índia. A fase final é levar a guerra para a terra dos infiéis e estabelecer uma dominação universal. Não afirmo que todos os muçulmanos veem a situação assim. Mas há grupos significativos que enxergam os acontecimentos nesses termos. Assistindo à mídia muçulmana, não é difícil encontrar esse tipo de discurso.
O sr. propôs uma nova divisão de fronteiras para o Oriente Médio (mais informações nesta página). De que forma a questão da formação do Estado moderno na região está presente nos conflitos de hoje?
Espero que um novo arranjo traga paz. Mas isso não é muito plausível atualmente. Como disse, o Estado é uma importação recente na região. À exceção do Irã, praticamente todos os países não foram estabelecidos por por seus próprios habitantes. Foram europeus, em sua maioria ingleses e franceses, que criaram esses Estados sob os escombros do Império Otomano, indo do Iraque ao Atlântico. Acostumar-se com a divisão leva tempo. Alguns Estados da região são tão estranhos à realidade local que nem sequer têm uma denominação em árabe. Não há uma palavra em árabe para Argélia ou Tunísia, usa-se o mesmo termo para Argel e Argélia, Túnis e Tunísia. Não há uma palavra para Arábia. E isso não acontece porque o árabe é uma língua pobre - pelo contrário, é uma língua extraordinariamente rica. Mas eles simplesmente não pensam numa identidade comum, nacional, associada a um território, como fazemos no Ocidente.
Sobre a questão palestino-israelense, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Bibi Netanyahu, admitiu pela primeira vez a existência de um Estado palestino. O sr. acredita que possa haver alguma evolução real em direção à paz?
Todos os predecessores de Netanyahu aceitaram a existência de um Estado palestino. Os palestinos é que não estavam preparados para a ideia, porque não querem aceitar a existência de Israel. É essa a grande dificuldade. Em 1948 a resolução da ONU previa e criação de um Estado palestino. Eles se recusaram e foram à guerra. Após o conflito, esses territórios ficaram sob autoridade de governos árabes, que não formaram um Estado. Em 1967, Israel conquistou vastos territórios e ofereceu devolvê-los, mas os Estados árabes, no congresso de Cartum, definiram os "três nãos": não às negociações, não ao reconhecimento, não à paz. Essa tem sido a regra desde então. Os palestinos querem um país que inclua os territórios de Israel. Ao fim da guerra de 1948, nenhum judeu pôde permanecer em áreas controladas por árabes - eles foram expulsos ou mortos. E não estamos falando de assentamentos, mas de comunidades antigas na região, como a da parte oriental de Jerusalém. É essa a base da questão.
Estadão
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Bernard Lewis: acadêmico britânico radicado nos EUA.
Especialista na história do Islã e autor de mais de 20 livros e numerosos artigos.